Para ver o amor passar... - Os azulejos de Udo Knoff na casa de Jorge Amado e Zélia Gattai
Antes de ser o espaço cultural que conhecemos, a casa do Rio Vermelho era a residência de Jorge Amado e Zélia Gattai, cuja história, através da narrativa inconfundível da própria escritora, no livro A Casa do Rio Vermelho (1999), mostra como os relacionamentos humanos, o amor e a arte à medida que iam transformando uma simples casa em lar, enchiam de alegrias e memórias a vida dos seus ocupantes. Os azulejos do Atelier de Cerâmica Udo Knoff fazem parte desse caminho.
Zélia conta que, ao comprarem o "imóvel" da rua Alagoinhas, nº 33, em outubro de 1961, ele não passava de uma grande e desconfortável casa que, a seu favor, tinha dois encantos inalienáveis: o terreno era imenso e abria-se como uma janela para o Rio Vermelho, permitindo que a vista alcançasse o mar, a igreja de Santana e o porto dos pescadores. Era o que precisavam, pensou ela. Os outros encantos viriam depois, com o tempo e definidos no projeto do arquiteto Gilberbet Chaves.
Iniciada a reforma, os amigos foram chamados para opinar e, através de suas ideias, a arte foi entrando pela casa.
Mário Cravo fez a escultura de Iemanjá, em vermelho, e se comprometeu na produção das grades, Jenner Augusto se encarregou de pintar portas e basculantes, Lev Smarcevski disse que poderia desenhar os móveis e Carybé assumiu o design dos azulejos, criando as icônicas figuras representativas de Oxum, Orixá de Zélia Gattai e das armas de Oxóssi, Orixá de Jorge Amado. Após esses desenhos o artista criou mais doze, desta vez representando o macaco, frutas e pássaros.
Com os desenhos criados, Carybé foi bater à porta do atelier de seu vizinho e futuro compadre, o artista Udo Knoff, confiando a ele a materialização do trabalho. Em seu livro (p. 89) Zélia diz que Udo era amigo dos artistas da Bahia e seus azulejos estavam em todas as casas de bom gosto.
Ele aceitou a encomenda e transferiu os desenhos para o stencil, através do qual pintou manualmente, um por um, os azulejos que foram revestir paredes e móveis de alvenaria da casa de número 33, na rua Alagoinhas.
Não se passou muito tempo e a presença da arte azulejar do ceramista foi novamente convocada, desta vez, por sugestão de Lina Bo Bardi, que teve a ideia de pedir a ele os azulejos quebrados e refugos de encomendas que não tivessem mais serventia, para serem usados na cobertura de escadas, rampas e pequenas trilhas de passeio, no jardim. E assim foi feito.
Certamente, naquela altura, o revestimento fragmentado cobrindo as áreas externas tinha na originalidade do resultado a sua maior qualidade. Entretanto, passados sessenta anos, os azulejos do Atelier de Cerâmica Udo Knoff, que permanecem espalhados nos pisos e escadas da Casa do Rio Vermelho, constituem, também, um valioso mostruário da azulejaria autoral contemporânea e brasileira criada na Bahia, na segunda metade do século XX, que nos leva a conhecer, ou recordar, histórias de outras casas, de nossas casas, que estão para além dos muros, espalhadas na cidade.
Pesquisa e produção de textos: Eliana Ursine da Cunha Mello.
Fotografias: Eliana Ursine da Cunha Mello e Marcelo Maia.
Publicado em 06/05/2025