Udo Knoff e a Memória Visual de Salvador - Os painéis de azulejos do Terminal Turístico Náutico da Bahia: arte, história e identidade
O painel de azulejos do Terminal Turístico Náutico da Bahia assinado por Udo Knoff, em 1965, é um documento iconográfico de Salvador e da Baía de Todos-os-Santos. A obra foi elaborada em três seções alinhadas que, conjuntamente, exibem uma representação singular, pela perspectiva de quem está no ponto de embarque, olhando mais uma vez para a cidade.
Na primeira, seção o artista retrata, parcialmente, a vista panorâmica das edificações erguidas na escarpa do Município, mostrando o entorno do Elevador Lacerda; na segunda seção, ao centro, ele faz a representação cartográfica da Baía de Todos os Santos, realçando a localização de rios, ilhas e cidades e, por fim, na terceira seção, o ceramista dá continuidade à composição da paisagem iniciada na primeira parte, com foco nas imediações da Basílica Santuário Nossa Senhora da Conceição da Praia.
O processo artístico na realização da obra pode ser descrito como pintura à mão livre pela técnica overglaze ou sobre esmalte, termo que se aplica à pintura feita sobre azulejos já esmaltados e cozidos. É lícito pensar que a utilização de suportes cerâmicos industriais seja um facilitador nos processos da arte azulejar. Entretanto, uma ressalva deve ser feita: vai facilitar o trabalho daqueles que conhecem o ofício, que compreendem a química dos pigmentos, entendem as transformações materiais provocadas pela temperatura e, principalmente, sabem escolher os parâmetros que vão trazer o resultado que esperam. Empenamentos, trincas, bolhas, deformação dos desenhos, opacidade, brilho excessivo, craquelês e outros defeitos nos azulejos recém produzidos, são consequências da falta de domínio da arte e da técnica, e, sem essa mestria, não há excelência na arte azulejar.
Udo Knoff, além de reconhecido talento na pintura, era exímio ceramista, e, o painel do Terminal Náutico da Bahia demonstra sua expertise. A arte azulejar em grande formato, como essa, apresenta alto grau de dificuldade, uma vez que, para desenhar e pintar, o ceramista não pode criar formas sem ajustar suas proporções à altura e distância de onde serão observadas. Antes de começar o trabalho artístico, propriamente dito, é preciso alinhar os azulejos brancos em um suporte de madeira, ligeiramente inclinado, para que as peças justapostas não caiam. O suporte ideal é aquele que acomoda, de uma só vez, todos os azulejos a serem pintados. Entretanto, as obras maiores, geralmente, extrapolam o espaço disponível no atelier do artista e a opção que se mostra mais viável é a elaboração fracionada do trabalho. Nesses casos o suporte é organizado com a quantidade de azulejos que comporta e, em seguida, a pintura vai sendo realizada, em partes. No elaboração artística do painel do Terminal, ao lidar com uma estrutura de quase três metros de altura e seis de largura, Udo Knoff, decerto, atuou dessa maneira.
Antes de colocar os azulejos no suporte, o artista pinta no tardoz, ou seja, na face contrária a que será ornamentada, o número correspondente ao seu lugar, na composição. Considerando o quadriculado dos azulejos em um painel retangular, por exemplo, as fiadas horizontais são identificadas por letras e as verticais, por números. Assim, através dos códigos alfanuméricos (A1, A2, A3, B1, B2, B3 etc.) é possível garantir a correta ordenação na montagem das peças após a pintura e queima, evitando que sejam trocadas de lugar.
A riqueza de detalhes e a excelente preservação dessas obras fazem delas um patrimônio artístico e cultural inestimável. Além de embelezar o terminal, os painéis servem como um registro visual da Salvador de meados do século XX, antes das transformações urbanísticas que mudaram a paisagem da cidade.
Referências:
ARAUJO, Fernanda Caroline Mendes. Navio Maragogipe: patrimônio cultural de um povo. Orientador: Daniela Abreu Matos. 2020. 59 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Tecnólogo em Gestão Pública) - Centro de Artes, Humanidades e Letras da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Cachoeira, Bahia, 2020. Disponível em: https://x.gd/plSEx. Acesso em: 8 abr. 2025.
MUSEU NACIONAL DO AZULEJO (Lisboa, Portugal) (ed.). Azulejaria portuguesa. In: Grande Panorama de Lisboa - Alcântara e Santos. Lisboa, Portugal: Google Arts & Culture, 8 abr. 2025. Painel de azulejos no acervo do MNAz. Disponível em: https://x.gd/nl3jr. Acesso em: 8 abr. 2025.
SAMPAIO, Marcos Guedes Vaz. Uma contribuição à história dos transportes no Brasil: a companhia bahiana de navegação a vapor (1839-1894). Orientador: José Eduardo Marques Mauro. 2006. 341 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
Pesquisa e produção de textos: Eliana Ursine da Cunha Mello.
Fotografias: Eliana Ursine da Cunha Mello e Marcelo Maia.
Publicado em 06/05/2025