Conhecendo Udo knoof

Maria Helena - Diretora do Museu

A azulejaria autoral contemporânea e brasileira

Na década de 1940, com a modernização da arquitetura nacional, a arte azulejar brasileira ganhou um design atualizado para revestir as fachadas externas do Ministério de Educação e Saúde, no Rio de Janeiro, e, quase simultaneamente, as superfícies internas e externas da Igreja de São Francisco de Assis, em Belo Horizonte — duas edificações emblemáticas para o movimento moderno.

Dois profissionais foram determinantes para as transformações estéticas e materiais dessa arte, marcando o início de uma tradição, genuinamente brasileira, no modo de fazer azulejos: os artistas Cândido Portinari e Paulo Cláudio Rossi Osir.

Os desenhos de Portinari se desvincularam do revivalismo, associado aos modelos portugueses, e se tornaram cânones da arte azulejar, a partir daquele momento, inaugurando uma nova ordem de proposições estéticas para o campo. O artista e arquiteto Paulo Cláudio Rossi Osir, por sua vez, fundando o Atelier de Cerâmica Osirarte, assumiu a materialização dos azulejos, pintando sobre eles, a composição e, no processo de cozimento, definindo brilho e intensidade cromática das obras, que são reconhecidas pela altíssima qualidade artística.

No campo de estudo da azulejaria, esse tipo de produção — feita em ateliers, sob encomenda, por profissionais vinculados à arte da pintura e/ou do barro que, na escolha das cores, composições e acabamentos, buscam garantir o perfil artístico dos trabalhos — recebe o nome de azulejaria de autor ou azulejaria autoral.

Após as obras inaugurais, muitos artistas tiveram seus desenhos transformados em arte azulejar, pelo Atelier Osirarte, entre os quais: Burle Marx, Anísio Medeiros, Carybé, Genaro de Carvalho e Poty Lazzarotto, fazendo repercutir as possibilidades plásticas da azulejaria autoral em projetos modernos de outras regiões do país.

Na Bahia, a proposta moderna de integração entre arte e arquitetura ganhou força de movimento a partir da década de 1950, com a adesão de artistas plásticos e arquitetos, entusiasmados com as possibilidades de inovar e reagir ao academicismo em voga.

A arte azulejar, todavia, demorou um pouco mais para se estabelecer, pois não havia quem dominasse o seu fazer artístico, até surgir Horst Udo Erich Knoff, o alemão que, em 1956, chegou a Salvador para ser um dos mais importantes nomes da azulejaria brasileira.

Udo Knoff foi um exímio especialista dessa produção recente, materializando, em seu atelier, painéis figurativos e milhares de metros quadrados de azulejos que, em fachadas, halls de edifícios, piscinas, cozinhas e banheiros, se destacavam pelo design, perfeito acabamento e cores harmoniosas.

Ao longo de quase quarenta anos de atividades, seu trabalho se tornou referência fundamental para as pesquisas dedicadas à formação do ofício cerâmico, sua disseminação e, para produção do conhecimento, sobre essa arte tão antiga.

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UDO CERAMISTA

A história de Udo Knoff, registrada neste texto, é baseada em algumas entrevistas concedidas pelo artista e em registros feitos, de próprio punho, em folhas avulsas, que estão sob os cuidados do Museu de Arte da Bahia.

Horst Udo Erich Knoff nasceu no dia 20/05/1912, em Halle, Alemanha, onde cresceu, concluiu os estudos e se diplomou engenheiro agrônomo. Formado, seguiu para Angola, contratado para trabalhar em uma unidade agrícola da África Portuguesa. Mas, com o início da 2ª Grande Guerra, viu-se forçado a voltar para seu país, e teria conseguido, se um bloqueio feito por tropas inglesas não houvesse impedido a passagem de sua embarcação, que, sem alternativa, alterou a rota e rumou para a costa brasileira, atracando no Porto de Santos.

Dessa maneira, totalmente improvável, ele chegou ao Brasil, em 1939, enfrentando dificuldades por não conhecer nada sobre o país, não dominar o idioma e, também, por ser hostilizado como um “quinta-coluna”, um representante do “inimigo” no contexto da guerra, por ser alemão.

Tentou fugir, mas foi capturado em Foz do Iguaçu pela polícia de Curitiba, que o enviou para reclusão no presídio Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, onde permaneceu por quase cinco anos. Sobre essa experiência, sem ressaltar o lado negativo, ele conta que aproveitou o tempo para aprender a língua e usufruir a beleza do lugar, que o conquistou integralmente, de corpo e alma. A liberdade veio com o término da guerra, e ele já não quis ir embora.

Inicialmente, residiu em cidades da região Sul, atuando como engenheiro agrônomo. Mas logo abandonou a profissão e assumiu a arte como ofício. Casou-se com a artista plástica Ivotici Becker Altmayer e, juntos, viajaram por todo o território nacional, realizando exposições e participando de salões modernos por todas as regiões brasileiras.

No início da década de 1950, ele e Ivotici mudaram-se para o Rio de Janeiro e, em Copacabana, abriram um atelier/galeria de pintura e cerâmica. Naquela altura, Udo se destacava como pintor de telas, e a transição para a arte cerâmica foi acontecendo de modo gradativo, ainda no estado fluminense. Ele teve trabalhos premiados, alguns escolhidos para integrar acervos importantes, como demonstra o quadro abaixo.

Produção artística no Rio de Janeiro

  • Medalha de bronze em arte cerâmica nos Salões da Sociedade Brasileira de Belas Artes – Rio de Janeiro (1953/1954)
  • Menção honrosa na Seção de Escultura e Desenho do Salão Nacional de Arte Moderna – Rio de Janeiro (1956)
  • Participou da 1ª Bienal Nacional de Artes Plásticas da Bahia (1966)

Obras em acervos no Rio de Janeiro:

  • Pinacoteca do Ministério da Justiça: quadros
  • Ministério da Agricultura: quadro Colheita do trigo
  • Palácio Guanabara: quadro Pinheirais do Rio Grande do Sul
  • Ministério do Exército: quadro Cabana à Beira do Rio Amazonas
  • Museu do Teatro Municipal do Rio de Janeiro: coleção de máscaras (1955)

Em 1956, já separado de Ivotici, Udo aceitou o convite para expor na Galeria Oxumaré, importante espaço de divulgação da arte contemporânea em Salvador, sob a direção do poeta Carlos Eduardo da Rocha. Seguiu para a capital baiana acompanhado da musicista Vind Hortense Schlattki, sua nova companheira.

Sua estreia na cidade foi registrada no jornal A Tarde de 5 de janeiro, que noticiava a exposição de seus trabalhos em cerâmica. A nota comunicava, também, que era seu desejo residir e ensinar a arte do barro em Salvador. No dia 28 de janeiro, o mesmo diário informava: “Udo vai ficar na Bahia”.

Inicialmente, instalou seu atelier no Porto da Barra, mas pouco depois seguiu para Brotas, ocupando um espaço da oficina de Móveis Arte, de Antônio Rebouças, onde permaneceu até julho de 1958. De lá, mudou-se para o endereço definitivo, na Avenida D. João VI, 411, no mesmo bairro.

Assim começa a história de quase quatro décadas de Udo, ceramista — nome fundamental para o ensino e disseminação da arte azulejar entre os artistas da região Nordeste. Com seu estímulo e apoio técnico, colaborou para que artistas do movimento de modernização da arte na Bahia, até então dedicados à pintura mural ou de cavalete, se envolvessem com as possibilidades estéticas do suporte cerâmico.

Jenner Augusto, Carybé, Raimundo de Oliveira, Reinaldo Eckenberger, Floriano Teixeira, Lênio Braga, Juracy Dórea, Genaro de Carvalho, Sônia Castro e Paolo Rissone, entre outros profissionais, frequentavam o atelier e, orientados por Udo, pintavam suas composições sobre os azulejos que, depois, eram cozidos pelo ceramista. Em outros casos, o desenho era entregue a ele, que realizava a transferência para o suporte cerâmico, pintava e finalizava com o cozimento. Em todos esses casos, a contribuição artística era registrada com a devida atribuição de autoria: quem fez a arte, quem fez a queima e, às vezes, até mesmo qual foi a indústria que produziu a base cerâmica.

Essa é a produção mais conhecida do Atelier de Cerâmica Udo. Mas existe outra tão importante quanto: os azulejos de padrão criados para o revestimento de banheiros, cozinhas, varandas e halls de edifícios.

A pintura era feita sobre azulejos lisos, industriais, sempre a partir de um conceito artístico, e levada para cozimento em um dos cinco fornos que Udo ligava diariamente. Esses materiais eram feitos por encomenda e não se encontravam à venda no comércio varejista. E clientela não faltava, pois até o final da década de 1970, a indústria cerâmica não dispunha de produtos com a mesma qualidade estética que caracterizava o Atelier Udo Knoff.

Seu atelier era ponto de convergência das mais variadas demandas relacionadas à arte azulejar. Para a preservação dos revestimentos antigos, as instituições de patrimônio cultural encontraram no ceramista a competência indispensável ao restauro de monumentos tombados. Já construtoras e escritórios de arquitetura viam na sua produção utilitária a qualidade necessária para atualizar os ambientes dos novos edifícios que verticalizavam a paisagem urbana.

Em seu registro autobiográfico, Udo destaca o que considera mais relevante de sua trajetória profissional, em uma lista que chama de “Curriculum inmodesto”:

  • Anos como professor de cerâmica na Escola de Belas Artes, onde instalou o primeiro forno para cerâmica artística da capital;
  • Aulas voluntárias de arte-terapia para a comunidade evangélica, Instituto Pestalozzi, Instituto de Cegos da Bahia, detentas da Colônia Penal Feminina, reclusos do manicômio judiciário, internos da Escola de Menores em Paripe e pacientes do Hospital das Clínicas e Hospital Juliano Moreira;
  • Aulas transmitidas pela extinta TV Itapoan, ao longo de doze meses;
  • Curso para iniciantes no SESC;
  • Coluna semanal Azulejos Antigos da Bahia no jornal A Tarde e Azulejos e Cerâmicas da Cidade no Jornal da Cidade;
  • Publicação do livro Azulejos da Bahia, em 1986, resultado de dez anos de pesquisa.

A vida plena de trabalho e contribuições à cultura não impediu que Udo Knoff chegasse aos 80 anos em efetiva falência. Dizia que o gosto havia mudado e as pessoas já não queriam "amores-perfeitos" na parede.

A venda de sua coleção de azulejos europeus aconteceu nesse contexto. Ele precisava de dinheiro, mas não era só isso. Seu desejo era garantir que o acervo ficasse na Bahia e fosse o ponto de partida para a criação de um museu do azulejo.

Quando as negociações começaram — acompanhadas de entrevistas e manifestações de artistas que destacavam o valor cultural dos exemplares — e o BANEB concretizou a aquisição, Udo foi ao atelier, reuniu documentos históricos, livros, equipamentos, matérias-primas e centenas de páginas que registravam as encomendas de 35 anos de trabalho. Entregou tudo para compor o acervo do novo museu. Para ele, o material serviria aos estudiosos do futuro interessados nas questões da moradia no século XX. E, mais uma vez, ele estava certo.

Udo Knoff faleceu em 07/06/1994, em decorrência de doenças respiratórias.

Pesquisa e produção de textos: Eliana Ursine da Cunha Mello.
Fotografias: Eliana Ursine da Cunha Mello e Marcelo Maia.
Publicado em 06/05/2025

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