O Atelier de Udo Knoff: Vestígios da Memória
O Atelier de Cerâmica Udo atendeu a demanda que surgiu com o crescente interesse pela arte mural, na arquitetura da segunda metade do século XX. Entretanto, além dessas encomendas, ele se tornou um dos maiores centros, do país, de produção de azulejos autorais destinados aos ambientes internos e externos das modernas edificações, de uso público e privado que, a partir da década de 1950, verticalizaram os bairros nobres de cidades brasileiras.
As composições ornamentais, diversificadas e criativas, incluíam reproduções atualizadas de padrões da azulejaria europeia, figuras geométricas, elementos da cultura Nordestina, santos e atributos da religião católica, representações sacras das religiões de matriz africana e os motivos formados por curvas, flores e linhas de cores intensas e contrastantes, típicas do design inovador da década de 1970.
"A presença de Udo Knoff na Bahia pode ser fundamental para a criação, finalmente, de uma indústria de azulejos próprios para revestimentos tanto internos como externos, (...) com maior liberdade e descompromissada graça e inventiva." — Prefácio de Lúcio Costa no livro Azulejos Antigos da Bahia, 1986
"[...] Falta o principal, o cliente. É uma mudança do gosto geral. Estamos vivendo uma outra época, em que não pinta mais amor-perfeito na parede." — Entrevista de Udo Knoff para o Jornal O Globo, 27 de agosto de 1992 (não publicada)
Quando Udo Knoff faleceu, em 1994, pigmentos, desenhos, telas e centenas de azulejos permaneceram, sem uso, no atelier de Brotas, e não foram incluídos no rol de materiais que a família vendeu para o IPAC, em agosto de 2002. Nos anos seguintes, Fred Pires, genro de Udo Knoff, sem provocar significativas alterações visuais no espaço, tentou dar continuidade à fabricação de revestimentos. Em 2019, passados 25 anos, a degradação já era evidente, mas, a fachada e as paredes internas do atelier, que foram revestidas por Udo, formando uma espécie de repertório de sua produção, permaneciam íntegras, ao lado de remanescentes do espólio, que resistiam à venda
A Destruição do Passado
Infelizmente, em 2019, com o falecimento de Fred Pires o local passou a ser, inescrupulosamente, desmontado para remoção de alguns azulejos, sem a menor preocupação com os danos causados ao conjunto.
Comerciantes de antiguidades, ávidos por exemplares que se assemelham ao estilo de Carybé, por exemplo, fazem equivocadas atribuições de autorias com objetivo de atrair (pseudos) colecionadores que, sequer conhecem a origem dos objetos e o valor que possuem como testemunho do desenvolvimento artístico e industrial do país, independentemente de quem os criou.
A destruição dos registros de nossa história, coletiva, pelo desejo de posse, individual, precisa ganhar maior espaço nas discussões da sociedade. Quando se trata de azulejo, sabemos que sua potencialidade plástica só se manifesta no contexto arquitetônico. Fora dele, até que alguém consiga restituir-lhe o significado cultural, é apenas um emudecido fragmento de cerâmica esmaltada.
Pesquisa e produção de textos: Eliana Ursine da Cunha Mello.
Fotografias: Eliana Ursine da Cunha Mello e Marcelo Maia.
Publicado em 06/05/2025